COUTO, Edvaldo Souza e GOELLNER, Silvana Vilodre (Orgs.) Corpos mutantes. Ensaios sobre novas (d)eficiências corporais. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2009.
O livro Corpos Mutantes mostra como a partir do culto pelo corpo, o homem busca modificá-lo. As tecnologias surgem então como um meio para satisfazer esta necessidade, de forma cada vez mais radical, através de cirurgias, como meio para atingir uma melhor saúde ou mesmo na busca pela beleza.
Nele é apresentado uma coletânea de dez textos sobre a mutabilidade corporal que se tornou cada vez mais procurada e ganhou uma importância grande em nossa sociedade, atrelada aos avanços tecnológicos e concepções de beleza, pela progressão da expectativa de vida do homem que tornou-se preocupação sobre como garantir à uma parcela significativa da população uma vida com saúde e com condições físicas melhores, estética e anatomicamente. Estas questões, dentre outras, tem levado muitos à uma mudança ou metamorfose em sua existência e, para atingir tais intentos, numa significativa transformação em seu corpo. Sob esta nova perspectiva os textos reúnem abordagens que centram-se na condição do corpo na sociedade contemporânea e tecnológica, sendo que esta última dá suporte para estas transformações muitas vezes radicais na vida do homem moderno.
A mutação corporal agrega-se as novas necessidades dos indivíduos, tornando-se parte dos avanços da atual sociedade e alinhando-se aos novos anseios do capitalismo que faz do corpo um objeto que pode ser transformado, readaptado ou refabricado, fazendo dele um objeto de consumo para aqueles que podem pagar e para aqueles que encontram nesta atual dimensão do mundo contemporâneo uma expectativa de reencontrar uma melhor forma física para reabilitar-se de algum trauma anatômico sofrido, mesmo com as diversas ressalvas de especialistas.
Fazendo um aporte com o artigo da Revista Galileu* que trata das tecnologias e como elas podem melhorar o desempenho do corpo humano, é possível verificar a importância do livro para a compreensão da nova realidade do mundo contemporâneo:
“De todas as melhorias que a tecnologia pode trazer ao corpo, a mais controversa é a instalação de circuitos no cérebro. Aplicados em pacientes com mal de Parkinson, o implante melhorou o funcionamento cerebral em alguns pacientes. O resultado levantou a questão: pessoas sem distúrbios podem usar a técnica? "Apesar dos avanços nos estudos, indicar essa técnica está longe de ser uma realidade. É muito polêmico tirar conclusões neste momento", diz o neurocirurgião Erich Fonoff, da Faculdade de Medicina da USP.”
Na abordagem acima verificamos que muitas pessoas buscam nas tecnologias a cura para alguma doença ou para ter uma forma mais saudável, por outro lado, muitas pessoas, inclusive os jovens, buscam nelas uma solução para alguma insatisfação que tenham com seu corpo. Tentam corrigi-lo ou buscam um modelo ou imagem que julgam perfeitos ou que a sociedade lhes mostra como perfeita.
Assim o corpo mostra-se como algo inacabado e em constante mudança para alguns, embora para outros por necessidade. A atriz Mullins ao falar sobre o uso de prótese que tem nas duas pernas, neste mesmo artigo, respondeu:
“As pessoas têm me chamado de tudo: transumana, pós-humana, ciborgue. Alguém que usa lentes de contato é um ciborgue? Se considerarmos que um celular ou uma tesoura são próteses, no sentido de que eles aumentam nossas capacidades, nós somos ciborgues quando os usamos?”
Desde modo, percebemos que as tecnologias estão presentes na nossa vida e nos são úteis em diversos aspectos, como uma cultura já instalada e como uma nova dimensão do próprio capitalismo. Podemos utilizá-las, portanto, para melhorar o desempenho corporal e, ao mesmo tempo, para cultuar o corpo, buscando nelas satisfazer os desejos e anseios por uma aparência que permita se sentir melhor consigo e aceito socialmente. Todavia, para atingir esta forma ou desempenho físico, é preciso ter disponíveis recursos financeiros, o que termina por outro lado excluindo diversas pessoas ou a maior parte delas, colocando-as à margem deste processo pela busca do corpo mutante.
Todavia, faz-se necessário destacar que a mídia tem uma grande parcela de responsabilidade nessa atual concepção — ou poderia dizer-se distorção? — dos conceitos de “corpo belo” e de “corpo não belo”. Através de seus programas televisivos vemos como numa vitrine a exibição de homens e mulheres com corpos ditos perfeitos, reforçando o narcisismo contemporâneo da sociedade capitalista, onde tudo é venda, é consumo.
Ter cuidado com o corpo é muito bom, mas faz-se importante reavaliar as vantagens e desvantagens de se alcançar determinadas condições físicas, analisando os limites que necessitam ser discutidos para evitar exageros ou riscos futuros à saúde.
Assim sendo, este livro oferece subsídios para a discussão sobre o culto ao belo ou aos apelos narcisistas da sociedade atual. Ele é uma leitura imprescindível para todos aqueles que se interessam pelo assunto, principalmente aos educadores que estão construindo e reavaliando conceitos com seus educandos em suas salas de aula todos os dias, que poderão, através das abordagens dos textos, esclarecê-los de que a sociedade costuma abraçar conceitos, instigadas pela sociedade consumista, aceitando-os com mais facilidade do que os negando. Para que saibamos o que é importante para nossas vidas é preciso discutir estas vantagens e desvantagens e que não tenhamos receio de discordar quando verificarmos que não são proveitosas para nós, sem aderir à estereótipos.
* http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI110532-17773,00-TECNOLOGIAS+PARA+MELHORAR+O+DESEMPENHO+CORPO.html